Presidente do Instituto Acadêmico de Direito Tributário e Empresarial - IADTE; Pós-doutora em Direito Tributário pela USP; Doutora e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP; Especialista pelo IBET; Coordenadora da Pós-Graduação em Direito Tributário da EPD; Palestrante em diversas instituições de ensino; Ex- Julgadora do Conselho de Tributos e Multas da Prefeitura de SBC; Membro da Comissão de Direito Constitucional e Tributário da OAB - Subseção de Pinheiros e sócia do Ricetti Oliveira Adv.
Total de visualizações de página
quarta-feira, 13 de novembro de 2019
MP do Contribuinte Legal: negociação de dívidas junto à União
Assinada no dia 16 de outubro, a Medida Provisória do Contribuinte Legal (MP nº 899/2019) estabeleceu requisitos e condições para a regularização e a resolução de conflitos fiscais entre a Administração Tributária Federal e os contribuintes com débitos junto à União, regulamentando o instituto da “transação tributária” prevista no Código Tributário Nacional – CTN (art. 171 da Lei nº 5.172/1966).
Porém, o instituto da transação tributária, aprovado pela MP, ainda depende de regulamentação por meio de normas infralegais. No caso da Dívida Ativa da União – DAU, sob gestão da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, a expectativa é de que a regulamentação seja publicada até o final do mês de novembro.
Após a regulamentação, a PGFN pretende publicar, em dezembro, o 1º edital com os critérios de elegibilidade para os contribuintes cujas dívidas serão passíveis de proposta de negociação junto à PGFN, por meio da transação tributária.
A transação tributária representa uma alternativa fiscalmente justa à anterior prática de concessão reiterada de parcelamentos especiais (REFIS), que terminaram por impactar negativamente a arrecadação e por conceder benefícios a contribuintes com alta capacidade contributiva.
Neste contexto, a MP prevê que a concessão de benefícios fiscais apenas se dará nos casos de comprovada necessidade e mediante avaliação individual da capacidade contributiva, realizada caso a caso pela Administração Tributária Federal, e desde que observadas as demais condições e limites previstos no texto.
Ou seja, a medida traz importante mudança na relação entre o contribuinte devedor e a administração tributária, uma vez que prioriza a busca de soluções negociadas entre as partes e, com isso, a redução de litígios.
Como regra geral, qualquer transação tributária deverá atender ao interesse público e observar os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da razoável duração dos processos e da eficiência e, resguardadas as informações protegidas por sigilo, o princípio da publicidade.
As transações tributárias envolvem duas modalidades específicas: as “Transações na cobrança da dívida ativa” e as “Transações no contencioso tributário".
Os principais pontos da MP do Contribuinte Legal, envolvendo essas duas transações tributárias, são os seguintes:
1) Transações na cobrança da dívida ativa:
Essas transações poderão auxiliar na regularização de 1,9 milhão de devedores, cujos débitos junto à União superam R$ 1,4 trilhão.
Premissas:
Dívidas classificadas como “C” ou “D” no rating da Dívida Ativa da União, que não tenham praticado atos fraudulentos ou de concorrência desleal, reconheçam expressamente o débito junto à União e que não tenham alienado bens ou direitos, sem prévia comunicação ao fisco, quando exigido por lei.
Condições passíveis de negociação:
Descontos de até 50% sobre o total da dívida, que pode aumentar para até 70% no caso de pessoas físicas, micro ou pequenas empresas;
Pagamento em até 84 meses, que pode aumentar para cem meses no caso de micro ou pequena empresa, além de pessoas físicas;
Possibilidade de concessão de moratória – carência para início dos pagamentos.
Limites nas condições de negociação:
As reduções ocorrem sobre as parcelas acessórias da dívida (juros, multas, encargos), não atingindo o valor do principal;
Não abrange multas criminais nem multas decorrentes de fraudes fiscais.
2) Transações no contencioso tributário:
Essas transações poderão encerrar centenas de milhares de processos, envolvendo a um montante superior a R$ 600 bilhões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF e R$ 40 bilhões garantidos por seguro e caução.
Premissas:
Devedores cujas dívidas estão em fase de discussão no âmbito do contencioso tributário administrativo ou judicial, em casos cujas controvérsias são consideradas relevantes e disseminadas;
Sempre envolverá concessões recíprocas entre as partes.
Condições passíveis de negociação:
Edital poderá prever descontos e prazo de até 84 meses para pagamento;
Abrange o contencioso administrativo e o judicial;
Reduz substancialmente os custos do litígio.
Limites nas condições de negociação:
Necessariamente por Edital, que conterá as teses abrangidas pelas transações no contencioso tributário e as condições para adesão;
Não poderá contrariar decisão judicial definitiva;
Não autorizará a restituição de valores já pagos ou compensados.
Avança na Câmara projeto que dá direitos a conselheiros de contribuintes no Carf
Por Gabriela Coelho
Mais um capítulo para melhoria de direitos dos conselheiros dos contribuintes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Desta vez, ganhou fôlego, na Câmara dos Deputados, um substitutivo a um Projeto de Lei 5.474, que confere melhor controle às decisões administrativas fiscais e proporcionar efetividade à defesa dos contribuintes.
O parecer do substitutivo foi aprovado pelo deputado Fabio Mitidieri, relator da proposta na Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público. Na prática, foram inseridos os direitos propostos pela senadora Soraya Thronicke (PSL-MS). O deputado resolveu incluir esses dispositivos e também resolveu colocar outro parâmetro para remuneração.
De acordo com o texto, os conselheiros representantes dos contribuintes no Carf receberão gratificação a ser calculada em ato do Poder Executivo, em patamar não inferior a 90,25% da remuneração percebida pelo cargo efetivo do Presidente do Carf em exercício.
Já a remuneração dos conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, representantes dos contribuintes, será mantida nas hipóteses de licença-maternidade, de férias remuneradas, afastamento em razão de doença ou acidente, mediante comprovação, em período não superior a 90 (noventa) dias, ou em situações mais graves a ser definido no Regimento Interno do tribunal administrativo.
Para o presidente da Aconcarf, Wesley Rocha, a associação segue lutando pelos direitos dos conselheiros dos contribuintes.
"Alguns setores estão falando que essas medidas visam proporcionar direitos trabalhistas, mas apesar de constar nos dispositivos normas trabalhistas, isso não se relaciona conosco, pois os conselheiros dos contribuintes não são regidos pela legislação celetista e nem somos estatutários. Na verdade, isso nada mais do que uma equiparação de normas, baseados em dispositivos fundamentais da Constituição de direitos humanos e direitos das mulheres", disse.
O parecer foi aprovado no âmbito do Projeto de Lei 5.474, de 2016, que tem como objetivo alterar o Decreto 70.235, de 1972, para conferir melhor controle às decisões administrativas fiscais e proporcionar mais efetividade à defesa dos contribuintes, promovendo assim o equilíbrio na relação tributária a partir da composição de um crédito tributário mais justo e em conformidade tanto com o poder de tributar da União, bem como com as garantias fundamentais do contribuinte.
A reforma tributária que o Brasil precisa – Parte III
A EC 42/03 eliminou o ICMS da exportação de bens e serviços e assegurou crédito do imposto cobrado na aquisição de itens empregados em seu processo produtivo. Em contrapartida, atribuiu-se à União o dever de compensar os estados e o Distrito Federal pelas perdas arrecadatórias daí decorrentes (ADCT, artigo 91). Entretanto, os repasses federais a esse título sempre foram insuficientes e, em 2019, sequer houve pagamento. Isso tem levado as autoridades estaduais a simplesmente não devolverem os créditos a que os exportadores fazem jus. O acúmulo de saldos credores daí resultante tem prejudicado empresas dos mais variados setores (automotivo, metais não ferrosos, papel e celulose, automação etc.).
A substituição tributária “para frente” é meio pelo qual se concentra a tributação no início de determinada cadeia produtiva, como método de facilitação da arrecadação e fiscalização do tributo. Além disso, presta-se a evitar sonegação. Como isso pressupõe bases de cálculo presumidas pelo Estado, garante-se ao contribuinte a restituição do excesso no caso de operações realizadas em dimensão menor que a prevista, para protegê-lo de investidas fiscais ilegítimas (Constituição, artigo 150, parágrafo 7º, e Recurso Extraordinário 593.849). Porém, as Fazendas Públicas têm exigido recolhimento complementar, caso o valor da operação final exceda o presumido. Além de subverter a lógica interna desse sistema, tais exigências tornam a substituição tributária algo similar ao regime de estimativa.
Para aumentar a arrecadação, tem-se exigido a inclusão de tributo em sua própria base de cálculo ou nas bases de outros tributos. Essa ampliação indireta e artificial da base imponível acentua a complexidade e falta de transparência do sistema tributário.
A manifestação prévia do Legislativo quanto à criação ou aumento de tributos é direito fundamental do cidadão-contribuinte (Constituição, artigos 5º, II, e 150, I). Entretanto, alguns gravames são extrafiscais, podendo ser utilizados para induzir o particular a comportamentos desejados pelo Estado. Nesses casos, a Constituição admite que o tributo seja graduado pelo Executivo dentro de balizas pré-fixadas e para atender a objetivos indicados em lei, o que pressupõe fundamentação específica quanto aos motivos que autorizam a adoção da medida.
Contribuições não são impostos. Estes últimos são tributos desvinculados de qualquer atividade estatal relacionada ao contribuinte (CTN, artigo 16). Daí, inclusive, terem os impostos sido distribuídos entre os entes federativos a título exclusivo, como fontes próprias para custeio de suas despesas gerais. Já as contribuições são tributos finalísticos e, como tal, vinculados a ações estatais voltadas a objetivos específicos, relativos a determinados grupos econômicos, profissionais e/ou sociais constitucionalmente indicados. Disso resulta que somente os integrantes desses segmentos possam ser seus sujeitos passivos, impondo-se, ainda, que haja proporcionalidade entre o quantum cobrado e o custo da atuação estatal que justifique a exigência, proibida sua utilização para outros fins[1]-[2].
As taxas são tributos vinculados e finalísticos, de modo que sua cobrança só é admitida se houver atividade estatal diretamente relacionada ao contribuinte. Deve, ainda, haver equivalência razoável entre o respectivo valor a o custo estimado daquela atividade, proibida a utilização para despesas outras.
Medidas provisórias são mecanismos excepcionais cuja adoção requer a ocorrência de fato (caso) que se destaque dos eventos corriqueiros (relevância), exigindo pronta atuação legislativa, de modo que não se possa aguardar sequer o processo legislativo em regime de urgência.
Além do IBS e do Imposto Seletivo, tanto a PEC 45/2019 quanto a PEC 110/2019 implicam a manutenção dos atuais ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins por determinado período. Diante desse grande número de tributos, não há sentido na manutenção das competências tributárias residuais da União, até porque os novos gravames teriam base ampla, podendo o produto de sua arrecadação ser parcialmente destinado à seguridade. De outro lado, como PIS e Cofins seriam extintos, nada impediria que a União recriasse essas contribuições com base no artigo 195, parágrafo 4º, da Constituição.
O Brasil é composto pela União, 27 estados e por volta de 5.570 municípios, que possuem regramento próprio para processamento de defesas e recursos administrativos em matéria fiscal. Essa quantidade de normas procedimentais gera insegurança e custos excessivos, especialmente para empresas que operam em diferentes locais e têm que se adaptar aos ritos aplicáveis e cada um deles. Assim, convém uniformizar procedimentos mediante lei nacional. Nesta, deverão ser introduzidas garantias de imparcialidade no controle da atividade dos agentes fiscais, como paridade dos órgãos de julgamento, alternância de juízes nas posições de desempate etc. (Constituição, artigo 37).
São essas, em síntese, as principais questões a serem enfrentadas em sede de reforma ampla do sistema tributário. Todos os setores da atividade econômica e a comunidade jurídica devem estar atentos a cada particularidade dos projetos discutidos, para que o país não incorra no erro de considerar que “qualquer reforma é bem-vinda”. Mudanças erráticas no sistema atual podem ser desastrosas para a economia e levar anos para serem revertidas.
A reforma tributária que o Brasil precisa – Parte II
Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a ideia de um IBS único foi abandonada, por entender-se que a figura “concentra ainda mais, no âmbito da União, a concepção e formulação do sistema tributário” e resulta em subtrair dos estados e municípios “a competência para tratar, com autonomia, dos seus principais instrumentos de arrecadação”. Por isso, o Substitutivo apresentado pela comissão aventa a hipótese de “bipartir o Imposto sobre Bens e Serviços”, num modelo “dual”. Em suma, seriam fundidos “em um IBS” o IPI, PIS, Cofins, Salário-Educação e Cide-Combustíveis, e, “em outro IBS”, “o ICMS e o ISS”, sendo que “este último” teria “alíquotas fixadas por lei complementar, mas com a gestão e administração a cargo de um conselho composto por membros indicados” pelos estados e municípios.
Na década de 1980, a tributação sobre o consumo canadense se dava por meio do Manufacturers Sales Tax (MST) no âmbito federal, além dos impostos de vendas provinciais. O MST respondia por 15% da arrecadação da União, mas seus vícios estruturais resultavam em falta de transparência e efeito cumulativo, onerando insumos, bens de capital, alimentos básicos e exportações. Com a crise e o recém firmado acordo de livre comércio com os Estados Unidos, tais problemas se agravaram. O imposto, originalmente concebido para onerar apenas a indústria, teve suas bases ampliadas, passando a incidir sobre diversos elos da distribuição. Além disso, de 1984 a 1989, as alíquotas saltaram de 9% para 13,5%, isto é, houve aumento de 50% no período. Tais fatores fizeram com que a tributação sobre o consumo se tornasse questão relevante a ser enfrentada nos anos seguintes[2]-[3].
A discussão quanto ao IVA na Índia remonta ao início da década de 1990, alimentada por críticas aos tributos indiretos e seletivos então vigentes. Dentre elas, a existência de mais de 390 alíquotas, bases fragmentadas por alto número de isenções concedidas a lobbies, sobreposição entre gravames federais e estaduais e incidência de tributos sobre si próprios ou sobre outros tributos. Também havia efeito cascata, causado pela tributação de insumos e bens de capital e por falhas na desoneração das exportações. Trocas interestaduais eram desestimuladas pela incidência do Central Sales Tax (CST) federal e de seus análogos locais. Além disso, a administração e arrecadação padeciam de ineficiência, dada sua estrutura retrógrada e pulverizada. Apesar de algumas tentativas, a divisão pouco racional de competências impositivas entre União e Estados impediu a criação de IVAs efetivamente uniformes e neutros, fossem eles federais ou estaduais[8].
Diante dos precedentes acima examinados, questão que se põe é saber como introduzir o IVA dual em nosso país sem que isso implique imposição do poder central e viole a autonomia dos entes. De fato, embora dotado de dualidade, o IBS previsto no Substitutivo da PEC 110/19 é de natureza impositiva. Como tal, não é próprio compará-lo aos modelos do Canadá e da Índia, que, cada qual a seu modo, respeitaram os interesses e o poder de decisão dos entes locais. Realmente, o IBS dual previsto no Substitutivo seria instituído por lei complementar federal, uniforme, com alíquota e regulamentação únicas, sendo expressamente “vedada a adoção de norma estadual autônoma”. Portanto, diferentemente do que se fez naqueles países, a ideia elimina por completo o poder de os entes, por lei própria, disciplinarem quaisquer aspectos da tributação do consumo.
Para ser válido e funcional, o IBS federal deverá ter como fato gerador operações com bens móveis, direitos e serviços, de modo que a tributação não recaia sobre a simples propriedade, posse, uso e materialidades sem conteúdo econômico. Essa base é ampla, ou seja, o imposto incidirá sobre todos os bens, serviços, cessões de uso etc., inclusive os negócios realizados por meio digital. A única exceção são os serviços prestados a consumidor final de interesse preponderantemente municipal, listados em lei complementar, que permanecerão sujeitos ao ISS. O imposto deverá ter até três faixas de alíquotas (padrão, reduzida e zero), conforme prática internacional, na linha do levantamento realizado pela OCDE acima descrito. A não cumulatividade deverá ser plena, mediante crédito financeiro de insumos e bens de capital, ficando desoneradas as exportações. No que se refere à Zona Franca de Manaus, enquanto mantida, deverá haver redução do IBS federal proporcional aos atuais incentivos de IPI.
Com mesmo fato gerador, base de cálculo, faixas de alíquotas e demais contornos gerais do IBS federal, a versão estadual deverá ser orientada pela tributação no destino, a fim de eliminar a guerra fiscal entre os entes. Lei complementar definirá os elementos essenciais desse tributo, como fato gerador, regime de compensação, hipóteses de substituição tributária e incidência monofásica, desoneração das exportações, dentre outros aspectos. Os respectivos entes terão competência para alocar produtos e serviços nas faixas de alíquotas predefinidas, bem como para arrecadar e fiscalizar o tributo, conforme leis estaduais próprias, no exercício de sua autonomia.
A par do IBS federal, a União terá competência para a instituição de Imposto Seletivo sobre operações com bens e serviços. Para evitar que ele incida nas mesmas condições do IBS, deverá constar do texto constitucional que somente os bens especificados em lei complementar poderão ser por ele alcançados e, assim mesmo, em função de sua essencialidade. No contexto atual, é desejável que a coexistência de ambas as figuras não gere aumento de carga tributária, de modo que a alíquota do IBS seja graduada tendo em vista a previsão de arrecadação do seletivo. O montante arrecadado terá as mesmas destinações aplicáveis ao IBS.
A fim de preservar a autonomia impositiva e financeira dos municípios, o atual ISS terá seu escopo alterado, passando a incidir sobre a prestação de serviços que atendam a interesses locais e que sejam prestados prevalentemente a consumidor final. Tais serviços deverão ser previstos de forma taxativa em lista veiculada por lei complementar. Sobre esses serviços não recairá o IBS. Dentre outros, estarão sujeitos ao novo ISS, em especial, aqueles serviços classificados pelo IBGE como “prestados às famílias”, entre os quais: hotelaria, serviços de alimentação e bebidas, serviços de recreação, cultura e lazer, serviços esportivos e clubes sociais, além dos chamados serviços pessoais (lavanderias, salões de beleza, funerárias, estabelecimentos de ensino, pequenas clínicas e consultórios médicos). A carga tributária deverá ser dimensionada de modo a absorver o PIS e a Cofins, que hoje incidem sobre esses itens e pertencem à União.
O modelo acima descrito parece minimizar a complexidade e onerosidade do ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins, sem criar novos problemas, sejam federativos ou anti-isonômicos. Entretanto,
os problemas de nosso sistema tributário não se resumem ao consumo. Na terceira e última parte desta série, apontaremos outros problemas que merecem ser enfrentados, com as soluções que nos parecem adequadas.
A reforma tributária que o Brasil precisa – Parte I
Um dos pilares de sustentação das propostas discutidas, sobretudo da PEC 45/2019 (Câmara), é a ideia de que tributar o consumo via alíquota única para todos os bens e serviços seria mais justo, na linha de suposta prática internacional. Tal afirmação não é correta. Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que a maioria dos países tributa o consumo com duas ou mais alíquotas, havendo, ainda, desoneração total para itens essenciais, como alimentos básicos, saúde e educação[1]-[2]. De 169 países pesquisados, 154 encampam esse modelo, isto é, 91%. E, dos 36 membros da OCDE, 34 também o fazem, o que equivale a 94% do mundo desenvolvido. Apenas Chile e Japão têm alíquotas únicas. Diante desses números, pergunta-se: a que “prática internacional” os defensores da alíquota única se referem?
Tributação sobre o consumo para serviços prestados por profissional autônomo
(Pessoa física – Profissão não regulamentada)
Faturamento anual de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)
| |||||
Aumento de alíquota: 470%
| |||||
Regime atual | Regime da PEC 45/2019 | ||||
Tributo | Alíquota | Total devido | Tributo | Alíquota | Total devido |
ISS | 4,38%* | R$ 21.900 | IBS | 25% | R$ 125.000 |
Escola particular no lucro presumido
Dados:
420 alunos (12 turmas de 35 alunos)
Mensalidade: R$ 1.200,00
Faturamento anual: R$ 6.048.000
| |||||
Aumento de alíquota: 211% | |||||
Regime atual | Regime da PEC 45/2019 | ||||
Tributo | Alíquota | Total devido | Tributo | Alíquota | Total devido |
PIS | 0,65% | R$ 39.312 | IBS | 25% | R$ 1.512.000 |
Cofins | 3% | R$ 181.440 | |||
ISS | 4,38%* | R$ 264.902,40 | |||
Total | R$ 485.654,4 | ||||
Alíquota total | 8,03% |
Tributação sobre o consumo incidente sobre taxista autônomo
Dados:
SP: R$ 4,50 (bandeirada) + R$ 2,75/KM (Portaria/SMT/SP 171/16)
Trajeto: Igreja N. Sra. do Brasil – Terminal 2/GRU (30KM) = R$ 87,00
Operação diária: 5x o trajeto acima = R$ 435,00
Operação mensal (22 dias trabalhados) = R$ 9.570,00
| |||||
Aumento de alíquota: 1150% | |||||
Regime atual | Regime da PEC 45/2019 | ||||
Tributo | Alíquota | Total devido | Tributo | Alíquota | Total devido |
ISS | 2% | R$ 191,10 | IBS | 25% | R$ 2.392,50 |
Empresa de transporte intermunicipal (regime cumulativo)
Dados:
Rota: São Paulo – Barretos
Valor do bilhete: R$ 117,80
Bilhetes por dia: 720
Operação da rota: R$ 84.816 (1 dia) – R$ 2.544.480 (30 dias)
Faturamento anual da rota: R$ 30.533.760
| |||||
Aumento de alíquota: 59,74% | |||||
Regime atual | Regime da PEC 45/2019 | ||||
Tributo | Alíquota | Total devido | Tributo | Alíquota | Total devido |
PIS | 0,65% | R$ 22.969,44 | IBS | 25% | R$ 7.633.440 |
Cofins | 3% | R$ 916.012 | |||
ICMS | 12%* | R$ 3.664.051 | |||
Total | R$ 4.778.533 | ||||
Alíquota total | 15,65% |
Outro pilar das propostas discutidas é a fusão dos atuais ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins na forma de imposto único sobre bens e serviços. A hipótese não é absurda sob a ótica econômica, mas esbarra na proibição a emendas constitucionais que reduzam a autonomia dos entes federativos. Afinal, ela concentra 41,5% das verbas tributárias da União (IPI/PIS/Cofins)[3], 88% das receitas dos estados (ICMS) [4] e 43% da arrecadação municipal (ISS)[5] em um só tributo, que, nos termos da PEC 45/2019, ficará nas mãos da União. Já na fórmula da PEC 110/2019, o tributo ficará sob o poder de um comitê gestor integrado apenas pelos estados, sem participação da União e sem regras de partilha, representatividade e liderança definidas. Aqui, a grande questão é de praticabilidade e viabilidade política. Imagine-se como ele funcionaria na prática, sem que a União, de alguma forma, mediasse os interesses envolvidos.
Outro aspecto comum e controverso das propostas em debate é que, além da criação do IBS, também se pretende introduzir Imposto Seletivo, sob a justificativa de que determinados itens (por exemplo, cigarros e bebidas) devam sofrer tributação adicional. A esse respeito, as maiores preocupações residem na PEC 45/2019, cujos termos não fornecem limites conceituais claros, como fato gerador, base de cálculo, contribuintes, nem parâmetros de elegibilidade dos setores e produtos a serem atingidos. Já a PEC 110/2019 indica quais itens poderão ser gravados (petróleo, combustíveis, energia, telecomunicações etc.). Curiosamente, em sua justificação, a PEC 110/2019 afirma que caberá à lei complementar definir “quais os produtos e serviços estarão incluídos” no Seletivo e que “sobre os demais produtos incidirá o IBS”, embora não haja nas normas do projeto nenhum elemento que garanta essa estrutura. Enfim, ao que tudo indica, em ambas as PECs a União poderá exigir Imposto Seletivo sobre bases idênticas às do IBS.
Diante da inadequação das propostas acima referidas, seja pelo caráter regressivo, desigual e antifederativo do IBS nelas previsto, seja pela ausência de contornos satisfatórios para o Imposto Seletivo, é preciso pensar em soluções alternativas, para compatibilizar a necessidade de reforma com as diversas limitações constitucionais e fáticas (político-econômicas) incidentes. Esse tema será examinado na Parte II desta série de artigos, a ser publicada nos próximos dias.
Relação de Postagem
-
▼
2019
(336)
-
▼
novembro
(31)
- MP do Contribuinte Legal: negociação de dívidas ju...
- Avança na Câmara projeto que dá direitos a conselh...
- A reforma tributária que o Brasil precisa – Parte III
- A reforma tributária que o Brasil precisa – Parte II
- A reforma tributária que o Brasil precisa – Parte I
- São Paulo revoga multa por cancelamento de nota
- Bens essenciais ao exercício de empresa de grande ...
- Transação e o contribuinte legal
- CAE analisa volta da tributação sobre lucros e div...
- São Paulo – Governo do Estado abre novo Programa E...
- Ministro suspende ação de município paulista sobre...
- Juiz pode pedir comprovação de envio de carnê de c...
- Restituição do ICMS-ST e a inaplicabilidade do art...
- Prefeitura de SP passa a permitir pagamento online...
- Divergências na classificação de produtos não just...
- Arbitragem tributária ajuda reduzir número de açõe...
- Fazenda paulista nega ICMS menor para delivery
- TRF de São Paulo impede redução de PIS/COFINS no r...
- Cooperativas e a IN 1.700/2017
- Oferta de bens à penhora não obriga Fisco a emitir...
- Sentença que não se alinha à repercussão geral do ...
- TRF4 fixa tese de que é legal o pagamento fraciona...
- Julgamento do STF sobre PIS/Cofins cria pressão po...
- OAB pede que profissionais liberais sejam excluído...
- Juiz pode reconhecer prescrição intercorrente de o...
- Súmula 392 pode ser afastada quando Fazenda Públic...
- Os enunciados de súmula no CARF
- Créditos apurados no programa Reintegra não fazem ...
- Ação penal não pode tramitar se há parcelamento fi...
- Não incidem juros na restituição de valores pagos ...
- Governo quer cobrar imposto de trabalhadores de ap...
-
▼
novembro
(31)
Minhas publicações em revistas, livros e sites:
______ 34- Autocomposição na Administração Pública em Matéria Tributária. Revista de Doutrina Jurídica - RDJ (online), v. 111, p. 186-363, 2020 – ISSN 2675-9624. ______ 33. Autocomposição na Administração Pública em Matéria Tributária. Revista de Doutrina Jurídica - RDJ (online), v. 111, p. 186-363, 2020 - ISS 2675-9640 - link: https://revistajuridica.tjdft.jus.br/index.php/rdj/article/view/578
31- ______ 32.Breves Comentários do Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre Prescrição Intercorrente em Matéria Tributária. in O Supremo Tribunal de Justiça e a aplicação do direito: estudos em homenagem aos 30 anos do Tribunal da Cidadania. Coordenação Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho e Daniel Octávio Silva Marinho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. p.581-591 - INSB 978-65-5510-146-1
30- ______ 31.La Posibilidad de Soluciones Alternativas De Controversias en el Derecho Tributario. in Revista Estudios Privados ZavaRod Institute. Ano VII – nª 07/2020 – Segunda Época – pág. 112-120; Versión Digital www.zavarod.com.
29- ______ 30.La Responsabilidad Tributaria del Administrador de Fondos de Inversión. in Revista Estudios Privados ZavaRod Institute. Ano VII – nª 07/2020 – Segunda Época – pág. 209-221; Versión Digital www.zavarod.com.
29.El Problema que Provoca la Modulación de los Efectos de las Decisiones Emitidas en el Control de Constitucionalidad en Materia Tributaria. in Revista Estudios Privados ZavaRod Institute. Ano VII – nª 07/2020 – Segunda Época – pág. 300-313; Versión Digital www.zavarod.com.
28. A execução contra a Fazenda Pública fundada em título executivo extrajudicial de acordo com o art. 910 do Código de Processo Civil (co-autoria com Ana Paula Martinez). in Processo de Execução e Cumprimento de Sentença: temas atuais e controvertidos. Coordenação Araken de Assis e Gilberto Gomes Bruschi. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 919-924 - ISBN 978-65-5065-285-2.
27. Modulação dos Efeitos da Decisão: Razões de (in)Segurança Jurídica. in Texto e Contexto no Direito Tributário. Coordenação Paulo de Barros Carvalho; Organização Priscila de Souza. 1ª ed. São Paulo: Noeses: IBET, 2020. p. 1113-1123 - ISBN 978-65-992879-3-0
26.O grave Problema da Técnica de Modulação dos Efeitos das Decisões Proferidas em Controle de Constitucionalidade em Matéria Tributária. in Novos Rumos do Processo Tributário: Judicial, Administrativo e Métodos Alternativos de Cobrança do Crédito Tributário, vol.1; coordenação de Renata Elaine Silva Ricetti Marques e Isabela Bonfá de Jesus. São Paulo: Editora Noeses,2020, p. 767-783.
25. Constructivismo Lógico Semântico. in Constructivismo lógico-semântico: homenagem aos 35 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coordenação de Paulo de Barros Carvalho; organização Jacqueline Mayer da Costa Ude Braz. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2020. p. 233-251 - ISBN 978-85-8310-143-7
24. Responsabilidade Tributária do Administrador de Fundos de Investimento. in Constructivismo lógico-semântico e os diálogos entre a teoria e prática. Coordenação Paulo de Barros Carvalho; organização: Priscila de Souza. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2019. p.1095-1110 - ISBN 978-85-8310-142-0
23. A possibilidade de soluções alternativas de controvérsias no Direito Tributário in Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu. Ano 6 - nº 07 - 1º semestre de 2019 - ISBN 2358-6990 - - https://www.usjt.br/revistadireito/numero-7.html
22. Prazo de Decadência das Contribuições Previdenciárias Executadas de Ofício Na Justiça do Trabalho. in 30 anos da Constituição Federal e o Sistema Tributário Brasileiro. Organização Priscila de Souza; Coordenação Paulo de Barros Carvalho. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 987 - 1009.
21. Nova interpretação do STJ sobre prescrição intercorrente em matéria tributária in conjur.com.br (28.11.2018)
20. Uma Nova Visão Para um Velho Assunto: Decadência e Prescrição no Direito Tributário, in Normas Gerais de Direito Tributário: Estudos em Homenagem aos 50 anos do Código Tributário Nacional. Coord. Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho. Curitiba: Editora CRV, 2016. p. 537-549.
19. A Lei Complementar e a Função de Solucionar Conflito de Competência em Matéria Tributária. in 50 Anos do Código Tributário Nacional. Org. Priscila de Souza; Coord. Paulo de Barros Carvalho. 1 ed. São Paulo: Noeses: IBET, 2016. p.1087-1098.
18. Prescrição, Decadência e base de cálculo das contribuições executadas de ofício na Justiça do Trabalho. In: Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, et. al.(Org.). PRODIREITO: Direito Tributário: Programa de Atualização em Direito: Ciclo 2. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2016. p. 47-81. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 2).
17. A Cobrança do Crédito Tributário e os Conflitos que podem ser Solucionados no âmbito do Processo Administrativo Tributário. Revista Sodebras - Soluções para o desenvolvimento do País. Volume 11 – n. 132 – Dezembro/2016. p. 25-29.
16. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. Revista de Direito Tributário Contemporâneo. vol.02. ano 1.p.197-209. São Paulo: ed. RT, set-out.2016.
15. O Direito à Repetição do Indébito do ICMS: Aplicação do Art. 166 do CTN. In: Betina Treiger Grupenmacher; Demes Brito; Fernanda Drummond Parisi. (Org.). Temas Atuais do ICMS. 1ed.São Paulo: IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda, 2015, v. 01, p. 01-494.
14.Uma nova visão sobre Decadência e Prescrição no Direito Tributário. In: Fernanda Drummond Parisi; Heleno Taveira Torres; José Eduardo Soares de Melo. (Org.). Estudos de Direito Tributário em Homenagem ao Professor Roque Antônio Carrazza. 1ed.São Paulo: Malheiros Editores, 2014, v. 1, p. 612-626.
13.O início da Fiscalização como Demarcação do Prazo de Decadência do Crédito Tributário. In: Paulo de Barros Carvalho; Priscila de Souza. (Org.). O Direito Tributário: Entre a Forma e o Conteúdo. 1 ed.São Paulo: Editora Noeses, 2014, v. 1, p. 1-1158.
12. O Supremo Tribunal Federal: Órgão Jurídico (não político). Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu, http://www.usjt.br/revistadire, p. 01 - 249, 01 mar. 2014.
11.Constituição Definitiva do Crédito Tributário. In: Paulo de Barros Carvalho. (Org.). X Congresso Nacional de Estudos Tributários: Sistema Tributário Brasileiro e as Relações Internacionais. 1ed.São Paulo: Editora Noeses, 2013, v. 1, p. 1-1160.
10.Impossibilidade de incidência nas importações de serviço. In: Alberto Macedo e Natalia De Nardi Dacomo. (Org.). ISS Pelos Conselheiros Julgadores. 1ed.SÃO PAULO: Quartier Latin, 2012, v. 1, p. 429-438.
9. Penhora on line em Matéria Tributária, aplicação do art. 185-A do Código Tributário Nacional - CTN. Enfoque Jurídico - Ano I - Edição 2 - Abril/2011, São Paulo, p. 8 - 8, 01 abr. 2011.
8.Norma Jurídica: paralelo entre a teoria normativista- positivista clássica e a teoria comunicacional. In: Gregorio Robles; Paulo de Barros Carvalho. (Org.). Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha. 1ed.São Paulo: Noeses, 2011, v. 1, p. 3-649.
7. Lacunas no Sistema Jurídico e as Normas de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário 109/110. Malheiros Editores, 2010.
6. Meio Eletrônico Utilizado para garantir a efetividade na cobrança do crédito tributário: penhora on line. Direito Tributário Eletrônico, Editora Saraiva, 2010.
5- La modulación de efectos de la decisión en el control de constitucionalidad brasileña. Revista OpcionesLegales -Fiscales, Junio 2010, México. E edição normal de venda, México, junio 2010.
4. La modulación de efectos de la decisión en el control de constitucionalidad brasileña. Revista Opciones Legales -Fiscales, Edição Especial, Junio 2010, México. E edição normal de venda, México, junio 2010.
3. Tradução e Direito:Contribuição de Vilém Flusser e o dialogismo na Teoria da Linguagem. Vilém Flusser e Juristas. Editora Noeses, 2009.
2. Modulação dos efeitos da decisão em matéria tributária: possibilidade ou não de “restringir os efeitos daquela declaração”. Revista Dialética de Direto Tributário (RDDT). v.170, p.52-63, 2009.
1. Concessão de Medida Cautelar em Controle de Constitucionalidade Concentrado e seus Efeitos em Matéria Tributária. Revista da Escola Paulista de Direito. Editora Conceito, 2009. v.7, p.05 - 449.