Valor Econômico 12.07.2018
SÃO PAULO - O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aceitou uma estratégia adotada por contribuintes para reduzir a carga tributária. Envolve a venda de ativos de empresas por meio de sócios pessoas
físicas. Esse procedimento — adotado, por exemplo, na venda da Suzano Petroquímica — faz com que a tributação sobre o ganho de capital decorrente do negócio diminua de 34% para até 15%.
Há ao menos cinco decisões de turma nesse sentido. E apesar de o tema ainda não ter sido enfrentado pela Câmara Superior, para advogados, há clara demonstração de que se está estabelecendo uma jurisprudência favorável ao contribuinte no Carf.
Essas operações envolvem a chamada redução de capital social — quando há devolução de patrimônio da empresa para o acionista (referente a valores que ele havia anteriormente aplicado). Ocorre quando uma holding, de
propriedade de acionista pessoa física, transfere as cotas da companhia à venda para ele — que torna-se o dono direto do negócio. “O vendedor, então, deixa de ser a holding e passa a ser a pessoa física”, contextualiza Carlos Eduardo Orsolon, do Demarest Advogados.
É dessa forma que se consegue evitar a tributação pela alíquota mais alta. Se a venda fosse feita pela holding seriam aplicados 34% de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre o ganho de capital. Já com o negócio sendo fechado pelo acionista pessoa física, a tributação varia de 15% a 22,5%.
Só que a Receita Federal costuma autuar os contribuintes quando verifica que essa operação foi feita pouco antes da venda. Entende, nesses casos, tratar-se de planejamento tributário abusivo — com o objetivo único de pagar menos impostos. E geralmente contesta o fato de a transferência das cotas aos acionistas ser feita pelo valor contábil (com base no patrimônio líquido) e não pelo valor de mercado.
O tributarista Rafael Serrano, do escritório CSA – Chamon Santana Advogados, destaca, no entanto, que há base legal para a operação. E é isso que tem feito com que o Carf aceite esse tipo de planejamento tributário. O
artigo 22 da Lei 9.249, de 1995, cita o advogado, possibilita a redução do capital social e tanto pelo valor contábil como pelo de mercado.
A decisão mais recente sobre esse assunto foi proferida, de forma unânime, pela 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção em um caso envolvendo a venda da Suzano Petroquímica para a Petrobras (processo nº 19515.004547/2010-92).
A operação ocorreu em agosto de 2007 e foi fechada pelo preço total de R$ 2,7 bilhões, sendo R$ 2,1 bilhões direcionados aos controladores e R$ 600 milhões de oferta pública de ações para os minoritários.
O Fisco havia desconsiderado a operação e cobrava valores aplicados nos casos de venda entre empresas: IRPJ e CSLL, além de multa de 150% sobre o
valor total (por indício de fraude). A autuação foi direcionada à Bexma Comercial, uma das empresas que detinham as ações da petroquímica na época, e membros da família Feffer, que eram os controladores da
companhia, foram indicados, na condição de devedores solidários, como responsáveis pela dívida.
A reestruturação societária, antes da venda, envolveu quatro companhias do grupo e incluiu duas empresas chamadas de “veículo” pelo Fisco, que teriam sido criadas somente para efetivar o negócio. Houve redução de capital, pelo valor contábil, e como a venda foi feita pelos acionistas — e não entre empresas — o ganho de capital foi tributado pela alíquota de 15% do Imposto
de Renda.
No processo, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sustenta que a operação envolvendo os acionistas se deu por meio de “um caminho
tortuoso e complexo” e que teve como único objetivo “a evasão fiscal”.
Os conselheiros que analisaram esse caso, no entanto, entenderam existir um propósito negocial para a operação. Abel Nunes de Oliveira Neto, o relator,
levou em conta a Lei 9.249 e também o fato de a operação de venda ter sido estabelecida em contrato com a Petrobras. “As pessoas físicas, na condição de
proprietárias indiretas das ações da empresa, estavam exercendo o seu direito”, afirma em seu voto.
A venda da Suzano Petroquímica à Petrobras já havia sido motivo de contestação no Carf. Uma outra autuação, direcionada pelo Fisco à Suzano
Holding — que, assim como a Bexma, também detinha ações da petroquímica — foi anulada pelos conselheiros da 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção (processo nº 19515.004546/2010-48).
Há ainda outras três decisões no Carf que tratam sobre a venda de ativos de empresas por meio dos sócios e que também liberaram as empresas da autuação da Receita Federal. Duas delas foram julgadas pela 1ª Turma da 2ª
Câmara da 1ª Seção. Uma envolve a Cobra Construtora (processo nº 16561720087/2015-12) e a outra a empresa Terrativa Minerais (processo nº 15504.730268/2014-80).
Já na 1ª Turma da 4ª Câmara — a mesma que analisou a venda da Suzano Petroquímica para a Petrobras — julgamento realizado no mês de abril livrou a CCI Concessões de auto de infração lavrado em 2010 e que também cobrava IRPJ e CSLL, além da multa de 150% sobre o valor total (processo nº 16561.720150/2015-11).
Lúcio Breno Pravatta Argentino, do Zancan Advogados, chama a atenção, no entanto, que deve-se ter cuidado com a forma como a operação é realizada.
No caso da Suzano Petroquímica, pondera, pesou na decisão dos conselheiros o fato de haver previsão contratual de que a venda seria realizada de tal
forma. “Existia uma condição contratual que obrigava os acionistas a agirem assim. A venda, nesse formato, era de interesse da Petrobras.”
Ele cita um outro caso, julgado pela mesma turma, com a relatoria do mesmo conselheiro e também neste ano, que teve decisão contrária ao contribuinte.
As operações ocorreram de forma parecida. Trata da venda da Aracruz para aVotorantim Celulose e Papel. Houve redução de capital da Arainvest, por meio da devolução das ações da Aracruz pelo seu valor contábil aos sócios Moisés e Joseph Safra e posterior alienação à Votorantim.
Só que os conselheiros da 1ª Turma da 4ª Câmara entenderam, por maioria de votos, que nesse caso não houve propósito econômico ou comercial. “A
Votorantim tinha a intenção de adquirir todo o controle da Aracruz, não lhe importava de quem quer que fosse, até mesmo porque o preço a pagar seria o mesmo”, afirma em seu voto o relator Abel Nunes de Oliveira Neto (processo nº 16561.720165/2014 90).
A PGFN, por meio de nota, afirma que apesar de haver decisões que reconhecem a validade do planejamento, essa questão “ainda está sendo amadurecida no âmbito do Carf”. Para o órgão, “há importantes aspectos que
não foram objeto de análise, assim como não houve manifestação da Câmara Superior”. Reconhece que há um número maior de decisões favoráveis ao
contribuinte, mas diz que “a União também obteve importantes vitórias”.
Procuradas pelo Valor, a Suzano Holding e a Bexma Comercial posicionaram-se somente no sentido de que “a operação foi feita em conformidade com a lei, como reconhecida pelo Carf”. A Cobra Construtora e
a Terrativa Minerais, que também tiveram decisões favoráveis no Conselho, não deram retorno. Já o representante da CCI Concessões não foi localizado.
O Safra também foi procurado, mas informou, por meio de assessoria de imprensa, que não se manifestaria sobre o assunto.