JOTA 05.07.2017
Livia Scocuglia
As turmas de direito público do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não chegaram a um consenso sobre o direito de crédito para os contribuintes que recolhem o PIS/Cofins no regime monofásico, quando a cobrança é concentrada em uma da cadeia.
Os produtos sujeitos ao regime monofásico de tributação do PIS e da Cofins são, por exemplo, óleo diesel, biodiesel até produtos farmacêuticos, produtos de perfumaria ou de higiene pessoal e veículos. O sistema da monofasia é uma forma simplificada de arrecadação.
A forma diferenciada de tributar esses produtos foi determinada pela dificuldade de fiscalização por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e para evitar a sonegação dos tributos. Ao escolher pelo regime monofásico, tais produtos passaram a ter suas alíquotas majoradas na saída da empresa que os industrializa ou importa.
Em março, a 1ª Turma do STJ, alterou o entendimento preponderante no tribunal para permitir a aplicação da Lei 11.033/04 a contribuintes não integrantes do Reporto, regime tributário diferenciado para incentivar a modernização e ampliação da estrutura portuária nacional.
No caso analisado no Resp 1.051.634/CE, a distribuidora atacadista revendedora de produtos farmacêuticos (Empreendimentos Pague Menos S/A) pedia o reconhecimento de que pode aproveitar créditos de PIS/Cofins pelas suas entradas independentemente de suas saídas estarem submetidas à alíquota zero e ao regime de incidência monofásica.
Na ocasião, a maioria dos ministros seguiu o voto da ministra Regina Helena Costa, para quem o fato de os demais elos da cadeia produtiva estarem desobrigados do recolhimento dos tributos – à exceção do produtor ou importador responsáveis pelo recolhimento a uma alíquota maior -, não é óbice para que os contribuintes mantenham os créditos de todas as aquisições por eles efetuadas.
Até então, a jurisprudência do tribunal pendia para a impossibilidade do contribuinte se apropriar dos créditos de PIS e Cofins no sistema monofásico.
O assunto, no entanto, deve ser pacificado em breve pela 1ª Seção do tribunal, responsável por unificar a jurisprudência sobre questões de direito público do STJ. Após a decisão da 1ª Turma favorável aos contribuintes, a Fazenda Nacional apresentou embargos de divergência apontando dois entendimentos divergentes e pedindo que o assunto seja analisado pela 1ª Seção.
A 2ª Turma do tribunal, ao julgar o EREsp 537.105, por exemplo, negou o direito ao crédito ressaltando que a técnica do creditamento visa afastar a incidência do tributo em cascata, o que não ocorre no regime de tributação monofásica, segundo o qual a incidência do tributo é concentrada no produtor/importador do produto.
O advogado Saul Tourinho, coordenador do contencioso tributário do escritório Ayres Britto, que representa a empresa Pague Menos S/A no processo, afirma que o recurso da Fazenda Nacional era esperado e que ainda é necessário superar alguns requisitos processuais para que o caso seja analisado pela seção.
“O voto da ministra Regina Helena foi muito cuidadoso com o sistema como um todo, e harmônico com os últimos debates do STF sobre a legislação do PIS e da Cofins, que tem sido um debate bem crítico à legislação. O voto harmoniza o modelo do PIS e da Cofins com a Lei do Reporto, e, também, com o dever de não-cumulatividade. Assegura-se o direito preservando-se o sistema. Foi muito criterioso”, afirmou.
Do outro lado, a Fazenda afirma que a técnica de creditamento prevê que as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da contribuição para o PIS e para a Cofins não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essa operação.
“Neste sentido, o texto dispõe que mesmo havendo receita não tributada pelas contribuições, será mantido o direito à tomada de créditos pelo vendedor. Tal operação, em suma, resultará em saldo credor das contribuições para o PIS e para a Cofins. Porém, no que tange à tributação monofásica, a técnica do creditamento, além de incompatível, tendo em vista a ausência de contribuições no ciclo da cadeia-produtiva, foi vedada pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003”, ressaltou a Fazenda Nacional.
Direito ao crédito
Segundo a advogada Ariane Costa Guimarães, do escritório Mattos Filho, a importância, na prática, é a tomada de crédito por quem, por força de lei, sofre tributação concentrada de PIS e Cofins. “É como se o contribuinte fosse penalizado por estar no regime monofásico”, resume.
A advogada afirma que o melhor entendimento é o crédito, já que irá igualar todos os contribuintes ao tratamento não cumulativo do PIS e Cofins.
“É bom lembrar que a tomada de crédito precisará de autorização judicial, já que a posição da Receita Federal é pela sua impossibilidade. A recuperação dos últimos anos depende de trânsito em julgado da ação judicial”, explica.
O advogado Ricardo Messetti, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), afirma que a decisão recente da 1ª Turma demonstra um avanço do STJ sobre a não cumulatividade aplicável ao PIS/Cofins.
“Trouxe esperança aos contribuintes sobre a correta interpretação da Lei 11.033/2004, pois, salvo melhor juízo, a norma visa permitir a apropriação de créditos no contexto da incidência monofásica e que a menção ao Reporto não teve como finalidade restringir a fruição do direito a crédito”, afirmou.
Supremo
O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda deverá julgar tema semelhante. No RE 841.979, que está sob relatoria do ministro Luiz Fux, os ministros vão discutir o alcance da não comulatividade no recolhimento do PIS e da Cofins. O recurso teve a repercussão geral reconhecida. O relator do caso, ministro Luiz Fux, ainda não liberou o voto para julgamento.
Ao se manifestar no processo, a Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do recurso e afirmou que o assunto deve ser julgado pelo STJ.
“A não cumulatividade incidente quanto às contribuições sociais ao PIS e à Cofins pode ter seus contornos definidos pela legislação infraconstitucional, conforme autorização constante do art. 195, § 12, da Constituição da República, com a redação conferida pela EC 42/2003. O modelo instituído pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 deve ser interpretado tomando-se como parâmetro a base de cálculo dos tributos em análise”, afirmou Rodrigo Janot.
No entanto, o tema que será discutido no STF não é exatamente o mesmo que já está em julgamento no STJ. O Supremo vai analisar os argumentos constitucionais, o que não ocorre no STJ, responsável por analisar litígios do ponto de vista infraconstitucional. Os fundamentos são diferentes e uma decisão não prejudica a outra.
Ainda que a discussão não seja idêntica, a decisão no Supremo pode impactar no entendimento das turmas no STJ, principalmente em relação a conceitos gerais, como o conceito da não-cumulatividade ou do creditamento e se é necessária uma legislação para estabelecer o creditamento das contribuições.
Livia Scocuglia - Brasília